segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

para que tanto dormir

faz de mim o fundo onde pisas e encontra chão
que conforto melhor em cobertores de outros
lâmpadas fluorescentes e caminhos acesos
o melhor do dia é o relógio
das horas amargas e tragos infinitos
o que de nós procuramos saída
letreiros e neon
temos um pouco de vontade
e dormir é remédio
sonhar nunca fez bem ao sacrilégio
de fechar os olhos ser o almejo maior
cobrir o rosto e os pés
para que monstro nenhum consiga entrar

intragável conforto

devoro o pouco que resta do desespero
e respirar a sua carne embebida em suor
o medo do caçador é o maior dos pecados
estalar os dedos e ter o mundo nas mãos
temos o infinito de memórias em pedaços
colados religiosamente na parede
e todos os enfeites que nos fizeram andar
a rua é casa de roupa nenhuma e alguns trocados
somos de um jeito ou de outro os devaneios errados
não cabemos nos mesmos frascos de pendurar
fumamos pouco e o oxigênio que em casa casa
tornamos a droga o esquecer é a morte
o melhor momento em que poderíamos sonhar
se soubessemos fechar os olhos para que nada aconteça
mas a noite mostra seus amarelados dentes
para que devoremo-nos em carne viva e feridas
somos abertos a todos os caminhos escuros
mas as pernas que não fazem sufocar o esforço
andam de pouco em pouco para debaixo da cama
e o mesmo lugar de sempre era o mais confortável

bactérias inteligentes

o trem na plataforma dois acabou de chegar
vinte e sete dias atrasado
não teria o que sobrar deste lado
o terreno que não sente saudade de quem pisa
com os pés descalços e inflamados
a bactéria que corrói a sabedoria
cria de novo o verdadeiro monumento
mundo que traça as horas e espaços
os livros esburacados
em todas as salas vazias e cadeiras empilhadas
os jornais pela manhã e o cheiro do café resfriado
no menor dos cuidados e acontecimentos aleatórios
ter mais o que fazer do mesmo sempre
o mesmo palpitar de sabores retardados
como que os finais felizes jamais contados
onde em que nunca existiu o principe
e a princesa sempre morre

a melhor moradia

não era nada demais e alguns trejeitos insuficientes
o construir do muro que acima não deveria chegar
o rangir dos céus que abertos trazem a chuva
de dentes a boca que cansa de suplicar
perdoar o espelho indiferente
que tanto digere as lágrimas de respirar
nada que sobra entre o agora e o sufoco
ter nas mãos o infrutífero desgosto
de ir embora em todos os frutos coitos
dos ventres afogados aos prantos de outros
meus que se calam e tendem o suposto
desconhecer quem pudera o mínimo esforço
por mais que escavar o devaneio laborioso
em pá de metal retorcido e ferrugem
não conhecerei o amanhã

conjuntos verbais

o infimo fio que tece incertezas
menospreza o acaso e incumbe desdenhos
não certamente o enfático ressalvo ao desgosto
era gosto demais para poucos pares de língua
machucado demais e coleções de selos perdidos
o dissabor da íngua e o amargo do choro
as horas perdidas que passavam depressa
o tempo que salva nada em reclame do agouro
o amor de boca pra fora que respira e afoga
que respirar o ar é devaneio imundo
o saboroso humano que mais que tudo respira
faz da boca o algoz ante ao fulguroso mundo
sou de boca do lixo e amor de esgoto
sou de boca à fora e por lá que em for
dormirei em paz