quarta-feira, 17 de maio de 2017

sinérgico antisséptico

o remédio amargo que conforta 
camas vazias e abandona 
imundos os sonhos dormir
a suavidade do escuro
decompor respirar
recompor

ácido muriático

corroem os dentes
ao enforcar gargarejos
mastigar de boca aberta
maltratar terminações nervosas
embebidas em ácido
carbono desencarnado
de alma e farrapo
que transborda alimento
de veneno do rato envenena
alimenta a fome dos restos

Respirador mecânico

Esterilizando demônios
Lambendo línguas infames
O choro que canta delicadezas
As delícias da morte antecipada
Cerne da carne que sangra lento
O pecado conforta os nervos
Treme de mãos e vontade
Morre aqui onde faço berço
Do que ainda morto
De carne apodrecida
Em antisséptica verdade
O gozo que sufoca a fala
Consome último oxigênio
Ao respirar por aparelhos

paleta de tinta a òleo

A cabeça aberta a marteladas
O julgamento do diabo
Quantas vezes fosse juiz
Saberia o fogo destituir
O bocado de cores torpes
Acender e arder em chamas
De onde saem as portas do inferno
Frio e lamacento de merda e sangue
Tudo que foi pensamento sofre
Da maldição do cérebro estéril
Sobram delícias e vermes
Outras partes esfomeadas
Remédios controlados e deuses
Infinitas horas perdidas
Do relógio jamais inventado

o som da voz

O som que sai da ferida
Conforta a garganta enforcada
Fraco de caráter e emergência
Murmura saliva estagnada
Que deita na boca de outros
Lábios que não abortaram
Pobres filhos afoitos
Expelidos da voz que resvala
O clorofórmio aroma do gozo
Indelével descoberta da fala
Grita os ouvidos precários
O retorno do deus estripado
Dissonante silêncio profundo
Em que o sono infinito se cala

filamento ocular

O fogo do inferno interior
Ácido que devora o enfermo
Chora nos ombros dos outros
Ombros cansados de carregar
A dor do parto e da despedida
Expurga a pele pobre de nutrientes
Retorce o paladar de ânsias a vomitar
No que resta após a despedida
Sai de fora o demônio e o aperto
A respirar o sopro de sossego
O verme que separa as migalhas
Alimenta as córneas despedaçadas
Para no fim nem que luz exista
Não haveria túmulo a deitar
E lamber os ossos arrebentados
Antítese
Do saber das janelas de vidro
Olhos
Onde habitam moléculas e filamento
Antimatéria

ciência teórica do sonambulismo

Que saboreia a estirpe 
que dorme cedo de hora
o fogo a pele que lambe 
o retalho retículo chora
acorda
perto demais que se jorra
para fora de onde estiver
onde o fato de observar
olhos atrás atrás
da cabeça aberta fria resfria
noite fria e delícia lascívia
deita cama de frio e goza
a última lástima
lágrima que rega a fome
de tua carne por dentro da minha
carne
a única forma de vida
parasita
uniforme
unilateral
entra fresta e varal
guarda tudo e todo o resto
do rosto
do espelho igual
dorme igual
gradualmente marginal
do mundo das horas que vem depois
dorme
solidão
luz que acalma e morre
morre da falta de escuro
na falta de sussurro
barulho
no ruído etéreo
escuridão

fertilizante orgânico

Mordidas que arrebentam a pele
Fome de calor e unhas
Mentiras confortáveis
O mesmo lado do muro
Arranho entranhas e esquece
Cérebro e cabeça de porco
Saciam as entranhas
Serenamente intocáveis
Sonham com o escuro
O que o comprimido amortece
Mordaças sossegam o estorvo
De acordar pela manhã
Janelas e caminhos escondidos
O sangue que brota maduro
A juventude perdida
O desejo recluso
Em voar de volta para casa
A descida iminente
No conforto debaixo da terra

anti inflamatório

Não existem olhares ou amores
Pedras voláteis respiráveis
Aparelhos pulsantes
Limítrofes de casca permeável
Não existem pudores e medicamentos
Somos o sono lento que torna toda troça
Em suportáveis melódicas vagas horas
Não somos de equinócios ou café quente
O preço que se paga é estar vivendo cada e cada minuto
Aquele mundo
Imundo
Do que não ser
Do que não fazer
Esse não é meu espelho
Nem de fora a casa habita
Escondida de confortáveis demônios
E tranca a chave fora de medo
Do desperdício do monte de merda
Ao espaço no estômago acabamento
É engolir todos os poetas
Mortos de frio ou de bêbado
O fim das horas e dos pulsos abertos
Ou uma toalha resistente
Amarrada no mais alto da janela
E nem ainda é de manhã
Viver o que não seres a vida
Ao morrer do que seria a sorte de ficar um pouco mais

A pele dos insetos

São as três horas da manhã
de outra nascente do sol
Mitocôndrias e barbitúricos
A língua seca que lambe o cal
A lama descama a pele dos insetos
Mortos de fome
Renascidos da córnea devorada
Perder a vista é a menor intempérie
Nascemos vertiginosamente cegos
Filhos de luz e Afrodite
A beleza que conforta os dentes
Aquece os vermes
O dissabor desse maldito frio
Ofusca a dor do morto
Que ser corpo e alimento
De micróbios e bactérias