segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

sonhos infinitos

o cognitivo desprazer que transcende a culpa
do incógnito torturar o que não saber
a água que escorre entre os dentes de fome
fazem o sufoco que nutre líquidos corpóreos
lúgubres atentados ao pudor e causas divinas
a obra de arte que atenta o encarnado
nas mãos que restam o sossego de casa
deixa sozinha a criança morta no berço
anda de noite por entre vielas fulgurosas
para que não tenha os olhos e vidraças
não enxergar o indelével prazer do obscuro
do lugar escondido debaixo das escadas
onde são fabricados os mais belos dissabores
os sonhos infinitos e o tempo impaciente
prostrados na urgência em acabar

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

os perigos do mundo

a frágil mente que guarda segredos
em gavetas trancafiadas e dedos escorregadios
juntados em bolsos de remendos e misericórdias
sorriso dos dentes esquecidos e amarelados
e o amarelo perde toda a intensidade da cor
o sol não chega mais perto de onde estiver
perdi a chave no meio do caminho e não sei voltar
ainda não são onze horas e a noite insiste em demorar
pra detrás de toda plantação que cresce impaciente
a plantação que morre e renasce e apodrece
revigorando os cantos mais escuros e esquecidos
fincando nas sombras onde tem casa permanente
assim como todos os que já saíram
escondidos em espelhos que condenam cada movimento
num lugar qualquer distante longe de tudo e distante
de quaisquer perigos do mundo
ficaremos aqui todas as noites até o medo passar

nenhum sonho agradável

somos transeuntes e trocamos as pernas
famintos por caminhos desconhecidos
outros olhos que nos observam boquiabertos
são os mesmos que seguimos quando cegos
nossa verdade passa de repente a tanto tempo
de horas fazemos conforto em camas separadas
chegaremos longe demais para voltar atrás
não temos abrigo ou telhados impermeáveis
choramos um choro sem barulho e satisfazemos o ruído
roendo as unhas até os ossos
somos nosso próprio alimento
acariciamos os rostos esquecidos dos quais tanto nos negam
a vontade de martirizar nenhum sonho agradável
qualquer acordar antes de findar a humanidade
e voltarmos a parecer um pouco mais humanos

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

isqueiros inúteis

fumando o ultimo cigarro do mundo
percebi que corria depressa demais
deixei cair a minha caixinha de surpresas
meus pulmões já se mostram de noite
não guardei lembranças e nenhum remorso
nenhuma forma de me proteger
não acredito em despretensão
a ultima cinza desceu suavemente
como um afago
no rosto que tocarei nunca mais
e nem mais perceberei os espelhos
quanto mais imaginar os mecanismos diversos
de um corpo que sonha em um corpo somente
para que em corpo nenhum reste o abrigo
não deveria sonhar qualquer forma de perigo
por que lá se foram os cuidados
guardados em gavetas trancadas
encarcerados num isqueiro apagado
onde deixei escapar todo o gás

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

abajures acesos

vivo em uma interminável insônia
me entupo de comprimidos e acessos de tosse
tenho comigo os frascos vazios das horas perdidas
esgotaram antes todas as areias do tempo
não vivo o minuto do agora que se perde
ainda é tarde demais para um cochilo
a vida dos travesseiros deve ser bem difícil
vivem explorando o mundo do lado de fora
de uma cabeça explodida em pedaços simétricos
e cada gota de sonífero que desperdiço
a cera quente deixa sua marca de mordida
dos dentes amarelados do esquecido
a noite é fruto de sonhos e anidrido
o sulfuroso amargor que tanto fomento
trás consigo
os piores pesadelos de infância
onde dormir era o melhor dos castigos

terça-feira, 28 de outubro de 2014

palácios impecáveis

somos os mais belos fracassos
de toda a vontade de cair pelas escadas
e nossas cabeças tocam o frio devastador
do que nada de deixarmos para trás
de importante ou do que ser o agora
a realidade de cada insignificante segundo
temos hora marcada com o desespero
e passamos mal dos nervos e trejeitos
construímos nossa formosura arquitetada
em tijolos estraçalhados e impecáveis
somos de natureza morta e cores vibrantes
do pequeno detalhe de marrom enrolado no pulso
que já marcou outras bocas famigeradas
da vontade de dormir mais cedo
não saber de onde acordar
temos o medo da rua e das verdades asfixiantes
e respiramos o ar puro
contaminado pelo próprio desejo
de sermos desejados
e sonharmos em palácios perfeitos

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

notas amadeiradas

guardo o teu perfume nos lábios
e nos bolsos a lembrança dos isqueiros
o cheiro enfeitado de cigarro
que implora por ficar
suplicar os dedos enrugados de esperar
a chuva que suicidaria o desespero
perpetuando memórias encaixadas
dentro de uma caixinha metálica
que canta as mesmas músicas até tarde
das mesmas quase todas as noites
em tons sutilmente sui generis
de nuances azul escuro e vermelho
reflexos de um espelho convexo

somos os olhos que vislumbram
a bailarina feita de porcelana
que só termina sua ciranda
quando o dia amanhece

domingo, 26 de outubro de 2014

caixa de remédios

o melhor remédio de esconder
que de nós não tenhamos nada
nos comprimidos sobre a cabeceira
nenhum travesseiro para que de mim
e de mim que fiz abrigo passageiro
e fortaleza de caixas de papelão
desenhando em calcanhares
borboletas e flores artificiais
já decorei meus rascunhos
de todas as múltiplas personalidades
e todas elas me odeiam

sábado, 25 de outubro de 2014

caixas de papelão

sou filho do medo de deixar os pés de fora
o eternamente engolido e regurgitado
sou o mesmo recorte deformado
do ser mesmo fruto da noite e do dia começado
da maçã podre que perde a luta para a gravidade
sou o que ainda começa tarde demais
não tenho conhecimento sobre o funcionar mecânico do tempo
o relógio dita as regras de quando terminar
e todos os sinos batem da mesma forma
fui catequizado por quem ornava os maiores receios
e pelo tempo perdido sobre o que falar de boca cheia
ser o feio por brincar com o que deveria engolir
não deveria ter falado tanto
já perdi todos os dentes
e agora me mordo com a raiva de outros

enlatados à base de tomate

o prazo de validade na prateleira de cima
aponta o mofo que se formou em torno de entornos 
trejeitos e vontades desfiguradas
de não servir de nada e não ser o lixo
afundar o máximo e segurar o amoníaco
o ar que respiro é veneno intragável
e ainda trago os filtros avermelhados
para saber o sabor de cortejar a incompetência
já deu a hora e todo o corpo e a descrença na existência
no mais longe que guardo meus chapéus de couro
sou de pele pregada em lençóis roubados de casas de repouso
onde descanso meus ossos tão jovens e repletos de cálcio
o conforto que acalenta é o mesmo que lhe arranca a fala
os pulmões suspiram por um pouco mais de esporos
apodrecendo por dentro de tão pouco que demora
e a hora que não passa faz falta no que seria o amanhã
para satisfazer as marcas de cigarro
em alguém para lhe cobrir nos dias frios e banhos quentes
a água que ferve não me serve de beber
sou de frio por fora e gripes homeopáticas
e ainda para quem a mentira em desmentir mentiroso
nos cobertores que me protegem do agouro
do diabo que mora detrás dos pés da cama
sou o endiabrado

falta de ar

o que mais corrói é o cabo metálico
o que busca o saborear do amor etéreo
fios de cobre encapados onde fazemos moradia
outras dores passageiras passamos em milésimos
somos os segundos que não aconteceram
o medo relativo que acaba aos poucos e demora
demora horas e minutos e nenhum relógio
de como finda ao ar que relaxa os pulmões agoniados
os olhos vermelhos fazem jus a presilhas na janela
não temos tempo para depois nem tempo que for
quanto o limite da covardia se acovarda
o ultimo suspiro ou o sussurro para não continuar
a vida é a continuidade do ínfimo que tão passageiro
passa sem deixar rastros vaidosos
o sufocar é o que de feio nos trás o agouro
somos levados em vagões vazios e repletos de lixo
e catamos todos eles como alimento
ficam deles a degustação das marcas no pescoço
o temor é maior quando a tonalidade pálida se torna o oco
e de nada podemos a nos acovardar
do que sermos os maiores covardes de sermos somente covardes
estar por alguns outros passos para trás e desatar os nós
ou mesmo o desistir de andar ou de findar o sufoco
ambos são igualmente covardes
o sufocar e o sufocado

roupas no varal

nosso prazo de validade entrou em expiração
nosso praxe de idoneidade saiu de piração
deixou rastros molhados e umidificados em saliva
com sabor de menta e Benzodiazepínicos
o estomago que corrói o corroído
o gofo de sangue de recém nascido
nasce de novo e morre todos os dias
dias santos e horas que não passam
são relógios pendurados em paredes de reboco
somos o cal que afinge
os olhos dos cegos e pernoitados
por andarmos tão pouco e depressa
temos hora marcada para perder tempo
perdemos demais para guardarmos o que for desnecessário
o depois que nunca chega e exige o agora
das outras vezes que saboreamos a mentira mal contada
mal lavada mal dita mal desfeita em outros martírios
o mesmo repetir de palavras mal rasgadas
somos roupas sujas em varais a meio vento
somos o trapo que pusemos ao relento
e nada para que nos leve daqui
ou traga de volta para casa
qualquer conforto de casa
não temos portas ou corrimões e ante salas
somos mais alguns comprimidos entalados
e gotas suficientes de ostracismo
para não que sobrem nem mais os momentos
parimos nas escadas
somos a sorte que esqueceu de nascer de novo
somos a morte que não quer morrer de medo
somos a parte que esqueceu de ser
somos trapos em pregadores de madeira e metal
somos apenas roupas no varal

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

os comprimidos sobre a cabeceira

na calada da noite a voz que sussurra é ruido
a porta que abre e a gota de água enferrujada na pia
quebraram-se os vidros e compotas herméticas
nossos compromissos deliciaram-se de asfalto
o chão é o amigo que não se nega esforçar
deitamos de lado para ludibriar as ancas
lubrificamos todo o peso nas costas de um mundo perdido
de uma vontade vexatória do escondido
os pecados são palavras em algum ponto de vista
alguns pontos cintilantes em microscópio científico
pouco de enxergar e nada que reste de esforço
sou o culpado do pouco que não entendi como esforço
nesse lado de cá do eterno desdenhar do eterno
o efêmero amar o que lhe pouco parece repetir
amei de mais pouco que já nem contas aprendi
resultado de um desamar que meramente confortável
como se só bastassem mais dois comprimidos
para no fim de noite todas as bocas calarem
ao meu ver aceitar um destino irrefutável
nada é demais para quem pouco penhora
chora de lágrimas e soluços ainda que secos
o depois nunca chegará
nem o agora (partindo do imediatismo do agora)
mostra-se trejeitos suficientes para ficar

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

âncoras enferrujadas

nosso incisivo significado de desespero
dá margem de erros onde os olhos não alcançam
e tememos morrer afogados
para que não mais imploremos sossego
eram as âncoras que jamais nos lançam
para que afundemos de pés e corpo e cabeça
em nossos beijos roubados
condenados à morte
perpetuados em pouca coisa
ou nada
reproduzimos nada de diferente
não temos o direito de nos calar por dentro
nosso falatório não tem documento
nem destino que nos faça partir
tomamos religiosamente
nossos remédios descontrolados
pelas mãos que tremem em nós
as mesmas que consolam os outros
para que possamos decidir o que não vemos
e ver é o que sempre não podemos
deliberadamente afogar

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

esmalte vermelho

as unhas pintadas de vermelho sangue
dos dedos roídos de agonia
escapam suavemente entre reentrâncias
onde saímos ilesos
por não sermos quem realmente somos
ainda somos frutos do meio
frutos apodrecidos de tempo
de certezas maculadas dos verões que já foram
sem nenhum sol para nos aquecer
morreremos na lua
no lado obscuro de lá
do lado errado do muro
do lado de cá qualquer for
não enxergamos saída
mesmo que nos indiquem a saída
com uma placa fluorescente
não entendemos o efeito brilhante
nossas direções sempre apontam
em caminhos contrários

pretensões elegantes

o que faz desenterrar buracos eternos em jardins sagrados
o cintilante cheiro de amores estragados
o amor que era pouco acabou e perdeu toda compostura
seguramos tubos de ensaio como não fossemos tropeçar
o chão é o bastante para quem vive em asas de plástico
lugar de abrigo e baixas temperaturas em desconforto
todas as mãos que nos afagam
são as mesmas que nos espancamos
já fomos de outros caracteres e máscaras de papel
já fomos de outros tempos e pretensões elegantes
já fomos de outros mundos e mesmas histórias
nunca mais somos ou jamais seremos
seres

terça-feira, 30 de setembro de 2014

farmacoterapia

o tempo de semear sustenta a natureza morta
do agora os menores pecados de esgoto
sem sombra de dúvidas e frescores pueris
no espelho que finge esconder
as asas que já não mais servem de nada
para amansar a cabeça de curas e remédios
cicatrizar feridas intactas
a todo o custo quanto fosse lamber
implorando a língua em jamais desistir
do desejo de não entender
a sedutora vontade do agouro
em incansavelmente lamber

sábado, 20 de setembro de 2014

o pecado social do discurso

perdi a mim o tempo para elegâncias
nos dedos de marca de giz amarelo
o sorriso nos olhos de quem diz doer
por todos os temores que velo
o amargo do céu amargo da boca amarga
sempre os cantos e reentrâncias a roer
do amor que floresce em cerca elétrica
fruto destilado de doses homeopáticas
era bastante sossego e um pouco de velho
frente à verdade que alarga peitos de ar
nem que pudesse amar e saber amar
dentro das veias que correm estáticas
dissemino o maculado evangelho
de dizer o que não poderia sonhar em dizer

terça-feira, 9 de setembro de 2014

ante-sala

o ultimo suspiro que ecoa nas ante-salas abandonadas
debaixo das escadas e corrimões engordurados
o doce deslizar dos dedos melados
onde escancara a mera banalidade do acaso
somos a verdade que nos fazemos de qualquer maneira
de maus tratos retratos e andarilhos
maus trapos e pequenos recortes de jornal
amamos os espaços vazios e ensolarados
capacitamos toda a imaculada cordialidade
balbuciando lascivas de nossos anjos caídos
até que finalmente perdemos as asas

flores carbonizadas

agonizamos no amargor do cansaço seletivo
regozijando as piores aventuranças
florescendo onde o medo repentino
finca raízes e olhares despreocupados
desesperamos os cabelos mais sossego
do ficar eternamente estagnado
onde o poço reproduzem bactérias
somos o lodo que afoga o afogado

fundamentalismo

o ambiente que nos justifica a paz
a falta que faz a fala de gritos e voz
aprender com erros e acasos atrasados
a hora que passa e finca unhas na pele
sobrevivemos à ignorância perspicaz
saboreamos a compaixão algoz
que nos resta ossos apenas a roer
sem termos os dentes ostentar
debaixo de cobertores e lâmpadas incandescentes
o modo como nos movemos
é fundamental

quarta-feira, 21 de maio de 2014

refrigerante

a razão que nos trás a cura de nós mesmos
de nenhuma vontade de fazer diferente
era sempre o que volta por vezes infinitas
engolir o choro e esperar o próximo ônibus
sentados em chão de frio e lama da chuva de ontem
o céu não tem nada para nos fazer sorrir
sorrimos por qualquer coisa que faça chorar
os machucados nos dedos de tanto roer
temos unhas para arranhar as janelas
e um futuro é mais que qualquer futuro ou seja
sequer o sabor de saber qual gosto sentir
na boca que trás sede e desespero
o desejo e a falta de vergonha na cara
reflexo de um espelho pendurado em um quarto escuro
onde as entrelinhas dizem mais que o poema
fruto do ventre podre que colonizam moscas
enfeitam nosso véu de seda falsificada
temos um pouco de terra debaixo dos nossos pés
para que possamos andar descalços
quantas vezes ainda quisermos nos enganar
que há por mais além que fosse
daqui em diante
um cenário retrato de paisagem
menos cinza e um pouco mais refrescante

segunda-feira, 19 de maio de 2014

vídeo cassete

o mesmo tempo era de voltar atrás
a unanimidade da insegurança
tentamos afoitos remar para de volta
dos braços calados do nosso lar
tenho por onde me segurar
e escolher os melhores momentos
em um retrocesso rápido demais
nos antigos aparelhos de rebobinar
era mais que um pouco de perdão
e ter tido tempo a vida toda à toa
satisfaz o menor dos cuidados
em todos os menores pecados
as imagens e monocromos
nos meus olhos platinados
repleto de elétrons rejeitados
era ainda tempo de voltar atrás

domingo, 18 de maio de 2014

uma e quarenta e seis

temos os mesmos sabores em nossos lábios
tanto comemos terra e fincamos raízes
levamos nas costas as ferramentas
necessariedades tantas
estamos muito longe de onde começamos
morremos de medo do esconderijo
nossa cama é insegurança tanta de outros
dormimos em qualquer lugar que faça o escuro
sem importar o verdadeiro sentido da vitória
somos derrotados e não exibimos a vergonha
estaremos em mesmos destinos e horas distintas
de ser o cansaço desde o início de qualquer dia
as diferentes formas de hemorragia
em todo o restante de nossas vidas
onde esperamos todos os restos de nossas vidas
todos os pequenos pedaços espalhados
onde nada que viesse realmente nos atingiria

quinta-feira, 15 de maio de 2014

cobertores e manchas de cigarro

a dor é mais bela em olhos dos outros
das vozes em que damos a vontade
um meio de comunicar-se
a carne que escorre dos nossos olhares
o fogo da roupa estendida 
impregna o querosene de afoito
morremos de medo do fósforo
caímos de pés descalçados
somos o fim e as cobertas enegrecidas
somos os sabores da igualdade metafísica
resvalamos em misérias verdades
diferimos em lados opostos
sobrepostos
sobre atentos
desatentos e sonhando de sono
dormimos de mãos acordadas
temos as máquinas e a sombras que respiram
e suspiros e fluídos corpóreos
onde guardamos os recados
e esperamos até de manhã

terça-feira, 18 de março de 2014

língua dos anjos

todas as vezes em que caímos do céu
assistimos vendados a vaidade

nos pecados de anjos derrubados
e na morte

todos os seus cuidados
os lugares inacabados
as mais fornicadas paisagens
para amar os outros em primeira pessoa
sempre deixamos de lado
a quem nos perdoa

toda a beleza em partir

o afago da faca afiada
nos braços que um dia
carregaram-te à cama
fazem do choro
toda a ternura em partir
toda a beleza em ficar

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

gaveta de meias usadas

todos os seus sapatos amaram a prateleira de cima
os anos vulgares ficaram para depois de amanhã
todas as marcas que colecionamos
ainda estão espalhadas pelo carpete
o melhor caminho era sempre para trás
e trouxemos conosco as vontades passageiras
salivando e roendo os ossos até os ossos
a água que mata a sede e a vontade do veneno
a necessidade da vida eterna e eternamente morrer
morrer por dentro de cada pedaço que sobra
somos a sombra do que nos mente o espelho
assistimos as horas passando sorrateiras
ainda que tarde demais
saberíamos nos proteger
sempre escondemos o ato principal
atrás das cortinas vermelhas
não temos ainda muitas escolhas
para que tenhamos nossa vontade de volta

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

a arte de apagar a luz

somos os mesmos velhos rebentos de vanguarda
de qualquer forma não levantaremos
damos as costas para o abismo
somos filhos do demônio
sonhamos com o cinismo
dissolvemos e unificamos o silêncio
bocas fechadas saboreiam o conformismo
de todas as horas vagas em que passamos
abstêmios de nossos vícios
amamos nossas veias dilatadas
nossos dentes cansados de lamber
lambemos e imortalizamos o sufoco
obra do divino espirito de porco
deixamos os trocados ao lado da cabeceira
e sempre apagamos a luz


a insônia dos poetas contemporâneos

Somos a arte de perder o sono
a desgraça em unissono
olhos abertos e camas vazias
somos as trombetas esquecidas
em xícaras de cobre e zinabre
somos a roleta russa que não fala russo
que te tanto gritar a boca não cala
o relógio que marca o gemido da bala
o relógio que marca

que marca

a agonia dos poetas contemporâneos

tinha uma caneta em sua mão direita
a velha espingarda carregada
sobre suas pernas
escreveu sua melhor poesia
cantou todos os versos
e morreu de agonia
com uma bala entalada na garganta

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

máquinas enferrujadas

passamos graxa em nossos pés 
descalçados
fugindo do gosto amargo
de tanto tempo que passamos
desacordados
as barbas de molho e elas não crescem
somos crianças perdidas
e precisamos de óculos em momentos
inoportunos
somos parte do acaso
e alguns sorrisos forçados

cortinas abaixadas

perdemos as linhas rabiscos escadas
não somos protagonistas
de nenhum conto de fadas
vivemos debaixo dos olhares silenciosos
nos alimentando do barulho
das cortinas abaixadas
sabemos demais do mundo
vimos as luzes e elas se foram
o tempo não perdoa ninguém

calafrios

as cartas viraram cinzas
todo aquele sentimentalismo
o mundo se move em oposta direção
temos as cabeças cortadas
o coração exposto em garganta
somos de calor e ossos frágeis
suor e calafrios
amamos até a morte
só para que possamos
beijar os nossos pulsos

as baratas que morreram afogadas

todas as baratas da cidade
morreram afogadas
lavamos nossas caras
com o sangue da calçada
soubemos andar em círculos
direção oposta ao vento
temos um pouco de alimento
e um livro velho
nada poderia nos impedir
de dançar mais algumas noites

habilidade necessária para sobreviver

acenderíamos uma fogueira
mas os fósforos acabaram
e ainda não desenvolvemos
as técnicas necessárias
para fazer fogo com duas pedras

o poeta morto

respirando todos os sentimentos
de qualquer universo conhecido
amante das palavras difíceis
o poeta encheu suas veias de nanquim
até escorrer pela ponta dedos
e morreu envenenado

natureza autofágica

devoramos pedaços
de nossos próprios corpos
sangue e nervos e filamentos
ossos e sombras e dedos
dentes e sorrisos e lábios
viveremos eternamente
somos o infinito
regurgitando-se
regurgitando-nos

o apocalipse

estamos todos doentes
não temos comprimidos
nenhum xarope para tosse
a salvação está nos dedos dos outros
enquanto nossos cérebros
escorrem pelas nossas narinas
suspiramos ar envenenado
tememos um deus
e um punhado de barro
temos curativos 
e nenhuma sorte
tivemos um pouco de sorte
e vendemos em troca de conforto
nosso sossego é mercúrio
bebemos direto da fonte
todas as gotas da água estagnada
realmente não temos para onde ir
apenas alguns travesseiros
e um bocado de sorte

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

feira livre

vendi todos os medos
em troca de sonhos baratos
carrego comigo a vaidade
não saber sorrir 
mostrar dentes
peco toda vez que acredito em deus
qualquer deus de cal e desespero
sou o dono do mundo
engoli toda a tua cólera 
para que nos matem de fome
matem-nos

balões vermelhos

te escreveria um poema
mas jogaste fora tu
meu bloquinho de rabiscar idéias

qualquer forma de esforço

ainda restou um sorriso amarelado
nada mais
o melhor que faríamos
arrancar os dentes
e não morrer de amores pela boca

melhor o silêncio
do que qualquer forma de esforço

calçadas pavimentadas

tínhamos tudo aquilo pela frente
éramos toda a certeza do mundo
nos mais confortáveis assentos
caberíamos na palma das mãos

o melhor de tudo é o vento
sou de casa e da beira da rua
somos de lugares diferentes
e andamos nas mesmas calçadas