quarta-feira, 25 de abril de 2012

xarope antigripal

não pensar em nada
insistiam as vozes
em doce melodia
de cáries e exageros
olhos atentos
desperados
invejando calmamente
os passos curtos
direção ao precipício
arranhões e lágrimas
não estragam a maquiagem
impermeável
como as mãos
que deixaram escapar
poucos segundos a fio
endorfina anestésicos
quis querer sossego
em caixas de fósforo
e xaropes para tosse
quanta pretensão
erradicando os velhos costumes
costuras e cicatrizes
marcas do tempo
passado que existiu
em contos de fada
ternuras herméticas
e compaixão dissimulada
em camadas estáticas
voltaram em direção
casa contrária a verdade
onde chamaram de lar
tapetes e boas vindas
aconchegando-se pouco a pouco
arbitrariedade em escolhas
as vozes se calam
quando sonhar e dormir
tornam a mesma coisa

terça-feira, 10 de abril de 2012

sonífero

olharam os olhos a mesma direção de sempre e deram a cantar suaves melodias em um francês arrastado doce demais em torrões de açucar mascavo. colorindo a dedos, telas de seda e pincéis, destinou-se a documentar o mundo. catalogando a cada espécie diferente, sorrindo em diante espelhos e rostos plastificados, não temeu a coleta seletiva. destino indiscutível, irremediável, não bio-degradável. absteu-se de cama e sono e amores passageiros e se orgulhou por um momento. quanto tempo não se divertia assim e as lembranças da infância lhe causaram dores brandas em cabeça refrescada pelo toque suave das cobertas e águas e saudade. precisou um pouco de binóculos de visão noturna para enxergar de longe os corpos desnudos e sem nenhum toque de vergonha ou pudor ou mecanismos de defesa desnaturados e roupas. repedindo o que sempre sonhara, o imperfeito é a melhor criação semântica. não existiram margens de erro em suas horas infindáveis de calculos diferenciais desintegrados e esfarelados. reconstruiu os sonhos, pedaços a cada um e molduras de madeira e verniz. dormiu. delicadamente belo, insansávelmente puro. dormiu.

horas passadas

destilou o veneno das sombras
e aqueceu em colher de prata
saboreando o borbulhar
em gotas de sangue e orvalho
orgasmo programado para começar
as sete da manhã ou de tarde
a noite não vai demorar
queria um pouco de confiança
mas recebeu uns trocados
doses de café
cigarros queimados
ouvindo o som pelas janelas
passos e pombos apressados
cuidando para não cair pelas beiradas
sacadas e quedas intermináveis
se protegeu do frio
cobrindo a nudez e o pescoço
com certezas e mentiras
escolhidas a dedo
dedos sujos de carvão e lágrimas
sentiu o amargor suave
e deixou de lado as vozes
que lhe insistiam em dizer adeus
deuses e santos de barro e gesso
detalhadamente pintados
toques suaves de vermelho e dourado
gostou das cores
do sol que nascia cansado
pronto para morrer de saudade
dos brinquedos guardados
em caixotes de papelão
do mesmo lado da moeda
estavam os rostos apagados
e os sonhos
que nunca voltou a sonhar

quinta-feira, 5 de abril de 2012

diálogo entre a solidão e o ego

grandes merdas, tu pra mim não é porra nenhuma. e tu que fica falando sozinho feito um maluco. mas eu tenho inveja de você. teria pena, mas você não precisa dessa merda. qual o problema em sentar em uma porcaria de uma mesa de bar e beber alguns tragos? não vejo merda nenhuma de errado nessa situação toda. tu que dizes não gostar da solidão. vou te falar um pouco de solidão. eu trepo com ela todas as noites e não estou nem aí pra isso que tu tá me dizendo. na verdade não te digo nada. diz sim, tu sempre tem uma merda pronta pra ser cagada, na ponta da língua. onde você esteve esse tempo todo? não te reconheço mais. estava no mesmo lugar de sempre. estou no mesmo lugar de sempre a trinta e seis anos. nunca mais te enxerguei. é que você é tão covarde que não olha nem para o próprio reflexo no espelho.

bolsa de mão

tinha algo no bolso e uma idéia na cabeça
arrancou o cérebro e ofereceu aos necessitados
guardando um pouco para depois
as sobras do dia seguinte
são sempre as mais saborosas
em pequenos pedaços e doses de sossego
deixou escapar o pensamento em dedos
dedos entrelaçados bailando em sinfonia
sintonia em ondas de rádio
repetindo os mesmos velhos passos
escada abaixo debaixo de andaimes empoeirados
feito macaco treinado para cuspir e morder
deixou as mordidas em frascos herméticos
termômetros e feromônios iluminaram o caminho
em seu sangue de mercúrio e cromo
sangrou até morrer

quarta-feira, 4 de abril de 2012

tornozelos

as portas se abriram e todas as verdades lhe cairam meio a pernas e colo atribuindo ao sexo sua vergonha costumeira. cansado de esperar em outras horas quantas fossem, em costas e mãos desconhecidas, desmentiu o fracasso e chorou lágrimas invisíveis. não chorou nem pouco o bastante que notaram a distância. carregando o fardo secular, sugando sua medula e ossos fora a pele, deixou escapar beleza de tantos sorrisos e vontades passageiras. mas a felicidade nunca lhe foi problema. nem remédio para a tosse impertinente. olha agora em olhos diferentes mágicos que acalmam brônquios, átrios e membranas. o filho que tanto esperava perdeu-se rumo em tempos contrários. escapou a dedos a razão metafísica, silencioso e conturbado coração que mágoas não carrega por nada. nem as grossas correntes que lhe arrancavam feridas a céu aberto em tornozelos fizeram desistir de tentar. quando outros lhe abriram barrigas e palavras doces em gotas de orvalho e saliva, o caminho melhor seguiu. oposto ao raciocínio, aos amontoados juízes da moral. se deliciou em maus costumes e gozou como nunca antes o fizera.

esperma evolucionista

o cigarro eletrônico queimou até a base
acende a apaga hora que quiser
nao gostava das coisas acessas
quando eram bem melhores no escuro
do outro lado da cerca
se vestiu de blazer veludo e couro
confortavelmente abanando o rabo
deitou com o rabo entre as pernas
quanta merda rabiscada
nas paredes e nos braços e mãos
stephen hawkings não disse uma palavra
o que fosse diferente do igual?
todos os medos e óculos de sol
protetores e bloqueadores
independente disso
não sentiu medo na pele
ou na carne ou em umbigo dos outros
quando o fogo que queima as sombras
afastando os passos
em seus devidos lugares pré-fabriados
sorridentes dentes e ornamentos
por entre as brechas que o separam
de toda a realidade magnâmica
dos amáveis castigos reutilizáveis
em singelos toques de recolher
que insistem em procurar
o esforço desnecessário
espalhado pelo chão